Entrei no restaurante apressada, a manhã tinha sido um turbilhão de compromissos e eu mal conseguia pensar em outra coisa além de saciar a fome. Escolhi uma mesa no canto, onde o movimento era menor, e me acomodei. Meu plano era simples: comer algo rápido enquanto aproveitava para revisar uns e-mails de trabalho e planejar, finalmente, minha tão sonhada viagem de férias. Fazia tempo que não sabia o que era relaxar.
Pedi um salmão grelhado com salada e um suco de laranja, mantendo a promessa que fiz a mim mesma de equilibrar alimentação saudável com o regime. Assim que abri meu notebook, fui surpreendida por uma voz baixinha atrás de mim:
– Moça, me dá um trocado?
Levantei os olhos e vi uma garotinha, com os olhos cheios de curiosidade e uma mistura de timidez.
– Não tenho – respondi, no mundo atual somente andamos com cartões.
– Pode ser só uma moedinha para eu comprar um pão?
Parei por um segundo, olhei para ela, e sem pensar muito, disse:
– Está bem, vou comprar para você.
Voltei minha atenção para a tela do notebook. E-mails, planilhas, prazos… tudo se acumulava como sempre. Me peguei distraída com algumas mensagens engraçadas que tinha recebido, mas a voz da menina voltou a me interromper.
– Moça, você pode pedir para colocar queijo e margarina no pão? – disse com uma doçura que me desarmou.
Percebi que a menina ainda estava ao meu lado.
– Claro, pode pedir – disse.
O garçom trouxe minha comida e perguntou se eu queria que ele mandasse a garota embora. Um desconforto tomou conta de mim, e decidi que o mínimo que podia fazer era ajuda-la. Pedi o lanche que ela queria para ela, e também uma refeição completa.
Ela se sentou na minha frente, seus olhos observando cada movimento meu, e então perguntou:
– O que você está fazendo?
– Estou vendo meus e-mails – respondi, achando que isso encerraria o assunto.
– O que são e-mails?
Pensei, tentando simplificar:
– São mensagens que as pessoas mandam pela Internet.
– Você tem Internet?
– Sim, é essencial para o meu trabalho – respondi rapidamente.
– O que é Internet? – perguntou de novo, com os olhos brilhando de curiosidade.
Eu ri por dentro e respondi:
– É um lugar no computador onde podemos fazer muitas coisas, como ler notícias, conversar com pessoas, ouvir música, aprender… tem de tudo de forma virtual
– o que é virtual?
Parei por um instante, tentando encontrar uma maneira simples de explicar.
– Virtual é algo que a gente não pode tocar, mas que existe na nossa imaginação. É como criar um mundo onde tudo parece como a gente gostaria que fosse.
A menina sorriu levemente, e então disse:
– Eu entendi. Minha vida também é assim, meio virtual.
Surpresa, perguntei:
– Como assim? Você tem computador?
– Não – disse ela, balançando a cabeça. – Mas, na minha cabeça, eu crio um monte de coisas que eu queria que fossem reais. Minha mãe sai cedo para trabalhar e só volta muito tarde, quase não a vejo. Eu cuido do meu irmão pequeno, ele chora muito de fome, e eu dou água para ele, pra ver se ele acha que é comida. Meu pai não está em casa faz tempo, ele foi embora. E minha irmã diz que sai para ganhar dinheiro, mas eu não sei como. Eu só fico imaginando que um dia a gente vai ter uma casa com muita comida, brinquedos e eu vou para a escola ser professora. Isso é virtual, né, moça?
As palavras da menina atingiram em cheio meu coração. Fechei o notebook sem pensar duas vezes, enquanto sentia meus olhos marejarem. Não consegui conter as lágrimas, que caíram silenciosamente. Esperei que ela terminasse sua refeição, paguei a conta e, antes de ir embora, entreguei algum dinheiro.
Ela me olhou com um sorriso tão sincero que, por um instante, tudo ao redor pareceu pequeno e sem importância. “Obrigada, moça. Você é muito legal!” – disse com alegria nos olhos.
Saí do restaurante refletindo sobre a diferença entre o meu “mundo virtual”, cheio de distrações e metas profissionais, e o “mundo virtual” daquela menina, cheio de esperança e sonhos que ela só queria tornar reais.
Naquele momento, percebi o quanto nos desconectamos da vida ao nosso redor, mergulhados em um mundo virtual que criamos para nós mesmos, enquanto a realidade de outros passa despercebida. Talvez a lição mais importante seja que precisamos olhar além das nossas telas e das nossas preocupações e enxergar as pessoas de verdade.